segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Bruno Schlatter: Cancro de Meme

Estes casos clínicos fictícios são em número suficiente para se conseguirem detetar neles algumas tendências, tipos de abordagem, coisas do género. Uma das tendências mais claras, na parte traduzida, é conterem uma ironia subtil mas omnipresente, capaz de os manter interessantes e divertidos mesmo quando podem correr algum risco de se tornarem algo maçudos. Outro é uma maior ou menor economia na palavra, a qual tem o mesmo efeito. Nem todos precisam: alguns partem de ideias tão boas que até se sustentariam sem isso. Mas essas ideias são uma minoria, e os que não dispõem delas precisam dessa espécie de "muletas" para se sustentarem bem.

A parte lusófona parece ser — pelo menos até aqui, e sou o primeiro a reconhecer que dois contos são insuficientes para generalizar seja o que for — significativamente menos dotada de ironia e/ou bastante menos cirúrgica no seu uso. À exceção da introdução do Seixas, que exibe o mesmo tipo de verve dos estrangeiros, o conto de Tinoco e este de Bruno Schlatter ficam bastante aquém nesse aspeto.

Mas se Tinoco foi sisudo, o problema de Schlatter é outro. Ele tenta introduzir ironia no seu conto, como de resto o título de Cancro de Meme (bibliografia) indica imediatamente. Mas é muito menos cirúrgico no seu uso do que os autores traduzidos, e portanto muito menos eficaz. O título é um bom exemplo do conteúdo: o trocadilho com cancro de mama é óbvio, tal como igualmente óbvias são a maioria das tentativas de ironizar que constam do texto propriamente dito. Este é, além disso, algo palavroso, o que também lhe reduz a eficácia. E mesmo a ideia da ideia enquanto agente infecioso ou cancerígeno limita-se a ser um aprofundamento sem grande rasgo do próprio conceito de meme.

O resultado é um texto relativamente fraco; um dos mais fracos de todo o livro até aqui.

Textos anteriores deste livro:

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