terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Oscar Wilde: O Foguete Notável

É relativamente frequente ler-se, quando alguém fala de literatura feita para a juventude ou a infância, algo do género de "é para crianças mas pode perfeitamente ser lido por adultos". O que normalmente se pretende dizer com isso é que os textos a que a frase se refere têm vários níveis de leitura. À superfície serão textos infanto-juvenis razoavelmente típicos mas, cavando um bocadinho, encontra-se sob a superfície um segundo nível de leitura que em princípio passará despercebido aos mais novos mas será captado com maior ou menor facilidade pelos mais velhos.

O Foguete Notável (bibliografia) é uma dessas histórias. À superfície, trata-se de um conto infantil, uma fábula, sobre um foguete (dos de fogo de artifício) cheio de si que se acha superior a tudo o que o rodeia e a tudo responde com uma imensa arrogância e um insuperável pretensiosismo. Mas logo abaixo da superfície, Oscar Wilde não fala de foguetes e sim de gente, pessoas de carne e osso, talvez pessoas que conhece, gente que se move nos seus círculos sociais. Gente que o repugna, em suma.

Sob a capa do conto infantil, este é um conto muito político. Wilde, que era adepto de uma espécie de socialismo, atira-se com violenta ironia aos aristocratas em geral (não necessariamente de título, mas de mentalidade) e muito em particular àquela subespécie de aristocrata cuja presunção não tem qualquer espécie de correspondência com as suas reais qualidades. Por contraste, todos os vários plebeus que interagem com o "foguete notável" são apresentados como objetos simples, funcionais e competentes. Todos cumprem a sua função, enquanto o "notável", incapaz de se compreender inútil e indesejado, preso no seu castelo de marfim de altivez, não passa de trambolho e quando finalmente se cumpre ninguém dá por isso.

Talvez não estejamos perante um grande conto. Mas que este conto é muitíssimo interessante, isso é.

Textos anteriores deste livro:

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