sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Ademir Pascale: O Lado Oculto de Rose

Há coisas que eu digo tantas vezes nos textos que vou deixando por aqui que imagino que já cansem quem ainda não se fartou de cá vir ler. Mas há outras que não tenho dito muitas vezes, apesar de serem tão verdadeiras como as primeiras. Uma destas coisas é que entre os vários géneros em que se subdividem as literaturas da imaginação aquele que menos costuma agradar-me é o horror. E este conto de Ademir Pascale exemplifica bem os principais motivos por que isso acontece.

Não é todo o horror, atenção. Mas se noutros modos daquilo a que se costuma chamar literatura fantástica já existe alguma tendência para repetir ideias e técnicas narrativas em voga há décadas (não deixa de ser natural; toda a gente começa por escrever o que gosta de ler, e o que se gosta de ler é sempre literatura que já foi feita, por definição), no horror essa tendência é muito maior. Parte desse conservadorismo tem a ver com a idade mais recuada dos tempos áureos do horror, ou pelo menos de vários dos seus subgéneros, muito enraizados na literatura gótica e no fantástico macabro do romantismo oitocentista. O que também é compreensível. Mas não é por ser compreensível que deixa de me cansar e aborrecer.

E isso leva a que seja bastante frequente que eu até consiga ver qualidades numa história de horror, na forma como está escrita, na forma como está concebida e executada, por aí fora, mas mesmo assim acabe por não gostar dela. Ora, quando a isso se somam fragilidades de vária ordem, pior um pouco.

É precisamente isso que acontece com O Lado Oculto de Rose. Trata-se de uma história de horror sobrenatural sobre uma família de imigrantes italianos no Brasil e sobre Rose, uma velha tia do narrador principal. A estrutura é absolutamente clássica. Se não fossem as datas, o conto pareceria vindo diretamente do século XIX, usando muitos dos tropos que estavam em voga nessa época, desde a carta do narrador principal, escrita em forma de depoimento e encontrada fortuitamente pelo narrador secundário, ao casarão arrepiante, passando por uma série de outros detalhes, muito comuns tanto na velha literatura macabra quanto no cinema de horror.

Mesmo assim, se o autor tivesse conseguido criar um ambiente com alguma força emocional a história até poderia ter resultado, apesar dos clichés. Mas fragilidades várias, inclusivamente no domínio do português (os clássicos erros de crase de tantos brasileiros, por exemplo, mas não só), e a escolha de um narrador distanciado, mesmo que a dado passo ele deixe de o ser, não permitem que essa força emocional se gere. Consequentemente, o conto é bastante fraco.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de idiotas. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.