sexta-feira, 16 de agosto de 2019

João Afonso Machado: A Realidade, não Fora a Loucura

Há contos cuja principal qualidade é serem misericordiosamente curtos. E há contos que mesmo sendo curtos conseguem fartar o leitor muito antes de chegarem ao fim. É o caso desta história (palavra escolhida propositadamente, apesar da repetição que vem imediatamente a seguir, e já veremos porquê) de história (cá está ela) alternativa de João Afonso Machado.

Mais: há contos cuja principal qualidade é serem misericordiosamente curtos apesar de serem contos de história alternativa, género que exige espaço para se explanarem a contento as diferenças entre a linha histórica alternativa e a real e poder estabelecer-se a verosimilhança própria do ambiente ficcional que se pretende criar. Não é por acaso nem por capricho que, como Gerson Lodi-Ribeiro, provavelmente o maior especialista lusófono nas ucronias (outro termo para histórias alternativas, para quem não sabe) diz, a extensão ideal para histórias curtas de história alternativa é a noveleta. Em muitos casos nem o conto chega. E apesar disso, ainda bem que alguns são tão curtos. Mesmo que essa brevidade contribua para a sua falta de qualidade.

A Realidade, não Fora a Loucura (bibliografia) é uma história de alguém que nunca deve ter lido história alternativa na vida, ou pelo menos não sabe que, para que funcione, a ucronia tem de ser minimamente sustentada na sua recriação da realidade, ou então tratada como pano de fundo para acontecimentos mais mundanos, em histórias cujo foco já não são os elementos ucrónicos propriamente ditos mas outras coisas. E por isso, o que João Afonso Machado escreve é um sonho húmido de monarquista, que despreza por completo as realidades do Portugal de 1908 (um país atrasado, agrícola, rentista e quase desprovido de indústria), sonhando-o grande potência por obra e graça do espírito santo que fez o milagre de impedir o Regicídio. Haja fé.

Seria possível escrever uma boa história mesmo assim? Sim. Seria bastante difícil, mas possível. Mas João Afonso Machado não o faz. O que escreve é um texto chatíssimo com ar de manual de história misturado com texto evangélico, num português banal que pouco mais faz além de despejar informação inverosímil sem se preocupar minimamente com tentar levar o leitor a suspender a descrença o suficiente para chegar ao fim da história sem numerosos suspiros de exasperação enquanto agradece a misericórdia do texto ser tão breve.

Este é um mau conto enquanto tal e um péssimo conto enquanto história alternativa.

Contos anteriores deste livro:

1 comentário:

  1. Sr.cujo nome agora não me ocorre:
    Obrigado pelas suas amáveis palavras. Elas não seriam proferidas se o meu conto lhe passasse despercebido. Pelos vistos incomodou-o.
    Não o conheço - insisto, a sua recensão chegou-me via outra pessoa, - confesso o meu total indesejo em o conhecer, mas confesso o meu gosto no seu desgosto.
    Pinte-se da cor que quiser, mas tantos anos depois ler a sua prosa satisfez-me.
    Há gente para tudo!
    Cordialmente
    João Afonso Machado

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