domingo, 4 de agosto de 2019

Raquel Ochoa: Ninfas e Adamastores

Ponhamos logo de parte o elefante na sala: o incómodo à leitura que causa o facto de este conto vir escrito em itálico do princípio ao fim, e que espero que se deva a um erro de formatação do ebook e não a opção editorial ou autoral, que seria demasiado desastrada. Façamos de conta, pois, que se trata de um texto formatado normalmente e que se lê com a facilidade de qualquer outro destes ebooks publicados pelo DN.

Pondo isso de parte, Raquel Ochoa escreveu um bom conto. E sim, os cultores de literatura fantástica também vão ter de pôr de parte o desapontamento por o título poder induzi-los em erro porque não, este Ninfas e Adamastores não tem nem ninfas, nem adamastores, nem qualquer outra bicheza fantástica. É uma história sobre um judeu, comerciante, que se estabelece nos Açores vindo do norte de África, e sobre os altos e baixos da sua vida nas ilhas, contada por um dos filhos.

E é uma vida com bastantes altos e baixos. O homem era casado antes de imigrar para Portugal. A ideia era tentar estabelecer-se e, se e quando tivesse sucesso nessa empresa, mandar vir a mulher, o que de resto é tema comum em tantas histórias de emigração. Quando consegue arranjar uma vida estável com um negócio de importação e exportação, começa a pedir nas cartas que envia à mulher que fosse ter com ele, mas nenhuma das tem resposta. Entretanto, a vida continua. Com tanto silêncio, e também, talvez, porque lhe convém, o homem supõe a mulher morta, conhece uma portuguesa, não judia, apaixonam-se, casam, têm um filho. E o negócio continua a prosperar.

Até que acontece uma série de pequenas e grandes calamidades ao mesmo tempo e tudo muda num ápice. Um navio afunda-se com parte significativa do negócio a bordo. A mulher que se julgava morta aparece de repente nos Açores, decidida a reclamar o seu lugar junto do homem (não é propriamente aquilo a que se poderia chamar um prodígio de honestidade, esta), o filho que o homem tivera com a portuguesa fica com a vida por um fio. E tudo isto, e mais, é contado com segurança, em prosa escorreita e bem ritmada, mantendo a narrativa interessante até ao fim. Não é, mais uma vez, um tema que me interesse por aí além mas, tirando a desastrada formatação do texto, esta história pareceu-me bastante boa e bastante sólida. É mais do que posso dizer de um bom quinhão das outras.

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