sábado, 10 de agosto de 2019

Sérgio Godinho: Notas Soltas da Corda e do Carrasco

Do Sérgio Godinho, escritor de canções, autor de algumas das mais intrincadas letras da música portuguesa, não podia esperar-se outra coisa que não fosse prosa poética. A dúvida estava, porque nunca lhe tinha lido nenhuma prosa, na qualidade. Seria prosa poética da boa? Ou seria mais uma vez daquelas que remetem à cor púrpura dos anglófonos?

É da boa. Não da perfeita, até porque isso de perfeição é coisa reservada para as fantasias dos teólogos, mas da boa. E como um título como Notas Soltas da Corda e do Carrasco já parece indicar, é também prosa poética sobre um tema que, à partida, não aconselharia prosas poéticas: a morte judicialmente ordenada e aqueles que a executam. Ou pelo menos um daqueles que a executam.

O protagonista de Sérgio Godinho é, está-se logo a ver, um carrasco. Um carrasco que se confessa e, entre divagações, vai contando a sua história. O que o levara a ser carrasco, o modo como encarara a profissão. O leitor depressa percebe que nem tudo está bem na vida dele, e o que faz mover a narrativa é em parte a curiosidade de saber se o que está errado é consequência ou está de alguma forma ligado à sua condição de carrasco. E no fim acaba por perceber que até está, sim, embora não exatamente da forma que está à espera.

Este é um bom conto. Não creio que seja um conto muito bom, pois há alguma incongruência entre a forma, razoavelmente leve, e o conteúdo, francamente sombrio, o próprio tema não é tão original como o autor talvez suponha (lembrei-me ao ler isto de alguns dos contos de Telmo Marçal, por exemplo, dos quais até gostei mais porque estão mais próximos da minha sensibilidade literária) e há também uns detalhes lógicos no enredo que não me pareceram particularmente bem pensados, mas é um bom conto. Bom o suficiente para despertar a curiosidade sobre outras prosas do autor... que segundo a bio que acompanha esta edição parecem não existir. Pena.

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