segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Francisco Maria Bordalo: O Galeão Enxobregas

Se bem se lembram, e se não se lembram não faz mal, quando aqui falei de outro destes livrinhos publicados aquando da Expo'98 tinha manifestado a minha estranheza por ser tão rara a obra portuguesa baseada em aventuras marítimas, visto termos à disposição vários séculos de material passível de ser usado como inspiração. Mais especificamente, foi quando falei sobre E Tais Pancadas tem a Costa da China, de Fernão Mendes Pinto. Francisco Maria Bordalo, escritor novecentista que era ele próprio marinheiro, parece ser a grande exceção.

Exemplo disso é este livro. O Galeão Enxobregas é uma história de aventuras e perigos, alegadamente verdadeiros, que relata uma viagem de ida e volta de um galeão ao Extremo Oriente. O Enxobregas, claro. Decorre a ação cerca de 1650, ou seja, já não na época áurea da expansão portuguesa mas logo após o fim do domínio filipino numa época em que as potências peninsulares já têm nos mares a competição frequentemente violenta de outras potências europeias, em especial os ingleses, os franceses e os holandeses.

E é da dinâmica entre a aventura intrínseca da viagem e aquela que decorre da inclemência das tempestades e dos encontros fortuitos (e batalhas) com inimigos das mais variadas espécies que se constrói a ação. E sim, o foco está na ação e no que vai acontecendo ao galeão propriamente dito; as personagens humanas, numerosas, vão surgindo, desaparecendo e por vezes ressurgindo ao sabor dos acontecimentos, sem grande elaboração psicológica nem muito que lhes explique as atitudes.

Naturalmente, tendo o autor sido um oficial da marinha portuguesa do século XIX, a visão da história é claramente colonialista, repleta de orgulho pátrio e alusões à valentia e superioridade portuguesas face aos outros povos, inclusivamente os inimigos europeus. E o racismo também espreita, apesar de se encontrarem aqui, num pé razoavelmente igualitário, personagens cujo sangue não é europeu, no todo ou em parte.

Outro problema é a forma distanciada como é feita a narração. Não poderia ser de outro modo, creio, uma vez que a história é apresentada como verídica, mas esse distanciamento impede o leitor de mergulhar realmente na história e no mundo que a contém. Apesar disso, este texto consegue manter o interesse e é claro que o autor sabe do que fala, pois os numerosos detalhes relacionados com a vida no mar, a manobra e a construção naval ressoam a verdade, a coisa vivida, o que também contribui para tornar o texto interessante. E é essa a palavra que eu usaria se me pedissem para descrever de forma resumida a experiência de leitura: foi interessante.

Este livro está disponível em PDF, para descarregar do site do Instituto Camões, aqui. Pena que a imagem da capa seja tão minúscula e o PDF não a inclua.

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