quarta-feira, 24 de junho de 2020

China Miéville: Praga de Buscard

Weird fiction. Um termo inglês para o qual ainda não se encontrou nenhuma designação portuguesa que não soe algo tosca e — paradoxalmente — pouco descritiva em comparação, ainda que a que eu prefiro seja ficção bizarra. Designa histórias fronteiriças entre o horror, a fantasia e a ficção científica,  nas quais o grotesco tende a marcar presença destacada. Um dos nomes grandes da weird fiction moderna é há vários anos China Mieville. E, sem deixar créditos por mãos alheias, a história que aqui apresenta é weird fiction (como o são, aliás, boa parte das outras). E da boa.

A Praga de Buscard (bibliografia) é mais uma história-mesmo-história, das que não se limitam às descrições pseudofactuais da doença mas contam histórias mais ou menos desenvolvidas sobre a sua descoberta e/ou casos clínicos especialmente interessantes. E é também uma daquelas histórias, tão comuns neste volume, que têm nas palavras agente infeccioso e/ou sintoma. Mas Miéville vai mais longe, e explica que a palavra-verme que origina a doença desencadeia, quando é ouvida e repetida vezes suficientes, uma série de reações no cérebro que levam certos neurónios a deixar de se comportar como integrantes do organismo de que fazem parte, autonomizando-se e tornando-se parasitas.

Bizarro? Sim, bastante. Mas curiosamente plausível, se nos lembrarmos do que acontece com os priões responsáveis pela doença das vacas loucas, os quais não passam de proteínas. Não me surpreenderia, de resto, que tivesse sido precisamente essa a inspiração original para este conto. Ora, essa plausibilidade acrescenta força a uma história que, apesar de o ser, não deixa de ser contada com a frieza médica típica de um estudo de caso (e que alguns destes textos põem de parte... mas não o de Miéville), o que a faz passar de boa a muito boa. Mesmo indo ainda a menos de meia leitura, tenho já a certeza de que este é um ponto alto deste livro.

Textos anteriores deste livro:

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