domingo, 7 de junho de 2020

José Carlos Canalda: Sic Transit

Não deixa de ser natural que autores de ficção fantástica cuja cultura é basicamente cristã vão buscar à mitologia cristã boa parte da sua inspiração para escrever ficções de base mitológica. Foi o caso do primeiro destes contos e é também o caso deste Sic Transit de José Carlos Canalda.

Aqui estamos em território algo burtoniano. De Tim Burton, entenda-se. O protagonista é um homem que se descobre sem memória mas num corpo que estranha absolutamente, e o conto consiste quase por inteiro na progressiva descoberta do que é e daquilo que dele se espera. Na ficção de Canalda não há, no entanto, a suavidade de Burton. O conto é de terror propriamente dito, e para vos explicar porquê vou ter de recorrer a...

spoilers.

Avisados? Pronto.

O que o homem descobre é não só que é um esqueleto, ou seja, que morreu e foi parar a um daqueles sítios em que a mitologia mete as almas depois das botas ficarem devidamente batidas, mas que esse não é um dos sítios agradáveis. Por motivos que não recorda, pois toda a memória se foi com a transformação de corpo vivo em esqueleto morto, o desgraçado do protagonista vê-se recambiado para um inferno onde terá de passar a eternidade em penitência. Não o clássico inferno das chamas e do enxofre, mas mesmo assim um inferno por onde ele e outros esqueletos como ele vagueiam carregando consigo os respetivos caixões e sem nunca trocarem uma palavra que seja. Para sempre.

Este é um conto interessante e razoavelmente bem construído. Não tenho a certeza de que as escolhas narrativas do autor tenham sido as que mais eficazmente poriam a ideia em prática, mas funcionam. Encaixo esta histórias algures entre o razoável mais e o bom menos. Por aí. Lê-se bem.

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