quinta-feira, 4 de junho de 2020

Heinrich Heine: Deuses no Exílio

Ora aqui temos um conto que me surpreendeu pela positiva. Sem nunca ter lido nada de Heinrich Heine, não sabia ao certo o que esperar, claro, mas a época em que o autor viveu e o conto foi escrito traz consigo uma série de expetativas estilísticas e temáticas, e foi com essas expetativas em mente que me pus a ler. Romantismo, e tal. Mas Deuses no Exílio (bibliografia) é um conto surpreendentemente moderno. Quase poderia ter sido escrito no ano passado e não em meados do século XIX. Quase.

O propósito começa logo por ser declarado na primeira frase. Aí, Heine afirma que pretende mostrar a metamorfose que os deuses gregos e romanos sofreram quando o cristianismo dominou as suas terras, "transformando-se em demónios". E conta uma série de histórias sobre como os vários deuses se adaptaram às mudanças, entrando na clandestinidade e tendo de trabalhar para viver. E continuando por vezes a celebrar em segredo os velhos rituais.

O retrato que deles pinta não é desprovido de simpatia, bem pelo contrário. É o retrato de criaturas outrora poderosas a ser obrigadas a uma obscuridade e por vezes a uma miséria para as quais o seu anterior estatuto não as tinha preparado. Há aqui política, claramente: em épocas desprovidas de tolerância é isto o que acontece com os antigos poderes quando novos se instalam, se quiserem sobreviver. Também há uma dose valente de ironia, de humor, pois Heine é astuto ao encontrar para cada deus uma ocupação que se lhe adequa bem.

E a história é contada como quem fala dos casos deste e daquele numa amena conversa à volta da mesa ou junto da lareira, sem os exageros sentimentalões típicos da época.

Gostei muito deste conto.

Textos anteriores deste livro:

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