quinta-feira, 25 de junho de 2020

Guy de Maupassant: O Horla

Outro conto muito oitocentista de Guy de Maupassant, e provavelmente o mais conhecido dos seus contos fantásticos, este O Horla (bibliografia) é uma daquelas histórias contadas através de excertos do diário do protagonista. Este é o principal motivo por que o conto — melhor dizendo, a noveleta — é muito oitocentista. Há uma personagem que surge tão repetidamente nas ficções de mil e oitocentos que se transforma em característica ou mesmo em cliché: o ocioso, jovem, dotado de fortuna pessoal e a viver de rendimentos, que, apesar do desafogo financeiro, sofre horrores, seja por exacerbação de sentimentalismo, seja por loucura ou paixão mais ou menos platónica, duas coisas tantas vezes indistinguíveis uma da outra. E é precisamente essa personagem que aqui encontramos.

Mas apesar de ser tão oitocentista, e apesar de ser frequente que o estilo da época me canse e desagrade, este texto é realmente ótimo. Já vos disse que Maupassant era muito bom? Pois. Aqui, o principal motor da história, aquilo que sustenta o interesse até ao fim, é a forma como o protagonista vai lentamente descobrindo (e descrevendo no seu diário) o que realmente lhe está a acontecer. Entre suspeitas de loucura, entre avanços e recuos, ou melhoras e recaídas se se aceitar como boa a hipótese de doença, é sobretudo o mistério, o seu desvendar e as experiências que vão contribuindo para esse desvendar que sustentam o interesse do leitor. Isso e as qualidades técnicas da prosa, naturalmente.

E ainda que a noveleta seja basicamente de horror, há nela um toque bastante evidente de ficção científica, ainda que a ciência usada esteja há muito desacreditada, por mais popular que fosse na época. A noveleta é basicamente uma história de fantasmas na qual uma (ou várias?) entidade sobrenatural começa a ter impacto sobre a vida do protagonista. Mas Maupassant liga essa explicação extranatural ao mesmerismo, imaginando uma raça de Invisíveis que connosco compartilhariam o mundo e fariam por vezes sentir a sua influência nele, originando experiências extraordinárias e ataques de aparente loucura. É esse ser invisível o Horla do título e é ele que leva o protagonista de Maupassant a atos extremos.

Ou então o homem está simplesmente louco. Também essa explicação é plausível no contexto da história, o que a leva a obedecer de forma bastante estrita ao conceito todoroviano de fantástico. Seja como for, esta história é excelente. Um verdadeiro clássico.

Textos anteriores deste livro:

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de idiotas. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.