Tenho deixado por aqui ao longo dos anos várias expressões do meu apreço pela ficção de Guy de Maupassant e por isso foi na expetativa de encontrar mais uma história muito boa que peguei neste Quem Sabe? (bibliografia). E de facto o conto que encontrei nada deve à imaginação e é contado com a mão segura de um escritor que sabe perfeitamente o que está a fazer e porquê. E no entanto, este não foi dos seus contos que mais me agradaram.
O problema são os clichés. Talvez nem seja propriamente culpa de Maupassant, pois em 1890 as características mais banais deste conto ainda estavam longe de ficar tão irremediavelmente gastas como estão hoje em dia, mas a experiência de leitura raramente se compadece desses detalhes cronológicos, por mais que intelectualmente se dê o desconto que lhes é devido. E o protagonista enlouquecido porque algo de sobrenatural lhe acontece é, hoje, um cliché irremediável.
Por outro lado, o que de sobrenatural acontece ao protagonista é não só interessante como engraçado. Está o pobre um belo dia a desfrutar da amenidade de uma noite em que saíra para assistir a um espetáculo quando, ao chegar perto da sua casa, começa a ouvir uma sucessão de estranhos estrondos vindos do interior. Temerosamente, abre a porta e... e é forçado a esconder-se porque todo o recheio da sua casa — objetos pelos quais ele nutria especial carinho, ainda por cima — decide ir-se embora, sair porta fora e desaparecer na noite.
Assombrado e atemorizado pelo espetáculo, temendo ter enlouquecido, o homem lá se resigna a participar "o roubo" às autoridades, as quais naturalmente não encontram nenhuma pista. Ele tenta, pois, voltar à sua vida, mas um dia descobre as suas coisas à venda numa misteriosa loja. Confronta o dono, corre à polícia para que esta prenda o homem, mas a polícia vai dar com a loja vazia. De novo abananado, o protagonista volta para casa. E aí acha-a de novo cheia com o mesmo mobiliário que tinha saído pelo seu pé algum tempo antes. E o homem passa-se de vez.
Tudo isto é imaginativo, até engraçado, e o conto está tão bem escrito como seria de esperar de Maupassant, o que faz com que, apesar dos clichés e de conter daqueles exageros sentimentais tão típicos de oitocentos, não possa considerá-lo outra coisa que não seja bom. Mas a verdade é que não gostei muito dele.
A culpa é dos "apesares".
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