quarta-feira, 17 de junho de 2020

John Coulthart: Mal dos Tipógrafos

A ficção literária, digamos, "normal", para não estar a perder demasiado tempo à procura de um termo melhor, precisa apenas de texto para criar o efeito pretendido. A sequência de palavras e a sua organização em frases e parágrafos bastam. Mas há algumas obras que precisam de mais: uma paginação específica, por exemplo, ou tipos de letra particulares, coisas dessas. Este Mal dos Tipógrafos (bibliografia) é uma dessas obras.

John Coulthart, além disso, é daqueles autores que criam mesmo uma história em vez de se limitarem a descrever a doença que imaginaram. Esta é uma parasitose fatal, provocada por uma espécie de bolor que gosta particularmente de celulose e forma manchas características nas páginas que afeta. Um bolor que infeta as pessoas que entram em contacto com ele. E vocês, que são espertinhos, já estão a perceber onde entra a paginação na criação plena do efeito pretendido pela história. É que uma coisa é lê-la em páginas normais, limpas de tudo o que não seja caracteres. Funciona, mas de forma razoavelmente distante. Outra coisa bem diferente é lê-la em páginas manchadas e com sinais de esborratamento de tinta. Bolorentas, em suma. Páginas em que o leitor tem de tocar para passar à próxima.

Esta é mais uma historinha francamente boa. Não só em si mesma, mas também porque funciona como um comentário irónico às polémicas que se têm levantado nos últimos anos sobre a leitura eletrónica. Uma história que exige ser bem editada, e em papel, para resultar em pleno. E foi.

Textos anteriores deste livro:

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