segunda-feira, 8 de junho de 2020

Mary Shelley: O Imortal Mortal

Eu digo com frequência, porque é verdade, que não gosto do estilo romântico. As ficções oitocentistas mexem-me frequentemente com os nervos, devido a apresentarem uma série de características que colidem violentamente com o meu gosto literário. No entanto, também sei que foi no romantismo que se originaram ou se desenvolveram algumas das coisas de que mais gosto na literatura. Como a ficção científica moderna, por exemplo.

Mary Shelley é cada vez mais unanimemente apontada como "mãe" do género, através do seu romance Frankenstein, no qual um cientista cria e dá vida a um autómato — o Monstro — por reanimação elétrica. Esse romance é ficção científica, embora também seja outras coisas, horror e romance gótico entre elas. E tem várias características típicas da era romântica. Mas não foi só de Frankenstein que se fez a carreira literária de Shelley, e pelo menos em O Imortal Mortal (bibliografia), vários dos temas e abordagens desenvolvidos nesse romance também estão presentes.

O conto é daqueles narrados em primeira pessoa pelo protagonista. E a história é uma daquelas proto ficções científicas inspiradas pela velha lenda do elixir da eterna juventude: um jovem, doente de amor e aprendiz de um velho alquimista, resolve num acesso de loucura ingerir uma poção que aquele estava a preparar, antes desta estar pronta, convencido de que lhe curaria as paixões. Mas não é o que acontece: a poção confere-lhe a vida eterna, ou pelo menos uma grande longevidade. E dá-lhe os problemas que daí advêm, claro.

É um conto interessante, embora não me pareça que chegue sequer perto da qualidade que Frankenstein tem. Em parte porque está muito mais imbuído das características estilísticas e temáticas do romantismo do que o romance, perdendo assim para este, e muito, em originalidade e frescura. Mas é interessante; a discussão que faz de alguns dos problemas da vida demasiado longeva tem relevo, apesar de se focar muito na parte sentimental, e há o interesse acrescido de se reencontrar neste conto algo que também está muito presente no romance: a figura do pária, do proscrito, do possuidor de características que a sociedade rejeita. Além, obviamente, da muito ciencioficcional ideia da experiência científica (aqui, alquímica; ali, galvânica) que corre mal, ou talvez demasiado bem, retomada em centenas e centenas de obras do género.

Textos anteriores deste livro:

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