segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Afonso Cruz: Síndroma da Culpa Absoluta

Nem o Afonso Cruz escapa à pulsão populista pelo ataque aos «políticos», nomeadamente aos «políticos democratas», alegadamente incapazes de sentir culpa (como se os ditadores, responsáveis por uma quantidade incomparavelmente maior de crimes, a sentissem). Mas o Afonso Cruz, ao menos, é um escritor realmente bom e por isso sabe temperar as suas pulsões populistas com um português de ótima qualidade e algumas frases e ideias inesperadas e deliciosamente irónicas.

A Síndroma da Culpa Absoluta (bibliografia) é exatamente o que o título/nome da doença indica: um problema mental que leva os doentes a assumirem a culpa por tudo e mais alguma coisa, coisas essas das quais estão, bem entendido, completamente inocentes. Em estágios avançados da doença, as culpas que os pacientes carregam podem «levá-los à loucura e a calçar sandálias de couro». A culpa e a inocência, claro está, são estados relacionados de perto com o crime e este com as investigações policiais, o que é usado por Cruz para fazer um pouco de metaliteratura, arranjando um autor chamado Padre Braun, referência óbvia ao Padre Brown, pároco-detetive criado por Chesterton.

O resultado é um bom conto, recheado de referências, embora não seja a história mais interessante que se pode encontrar nesta secção lusófona, muito menos nas páginas de toda a antologia. E tampouco é a história mais interessante que eu já li dele, mesmo tendo ainda lido muito pouco. Por causa do populismo, mas não só por causa do populismo. Não li Afonso Cruz suficiente para ter certeza, mas desconfio que este, sendo bom, é bem capaz de ser dos seus contos mais fracos.

Textos anteriores deste livro:

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