quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Aluísio Azevedo: Demônios

Eis mais um texto que me deixou dividido, à semelhança de várias das ficções de Charles Nodier que li recentemente. E em parte os motivos são os mesmos. Como Nodier, também Aluísio Azevedo mostra claras influências do romantismo (e no caso dele são mesmo influências, pois esta história é bem mais recente), o que, como quem frequenta este espaço já deverá saber, tende a desagradar-me. Mas neste Demônios (bibliografia) também existem elementos que só posso apelidar de soberbos.

Trata-se de uma noveleta, e bastante longa. A história é, à boa maneira novecentista, narrada em primeira pessoa e está, à boa (ou não) maneira romântica, salpicada de explosões sentimentais e muito exclamativas, em parte motivadas primeiro pela desesperada busca do protagonista pela sua amada e depois pelo esforço que os dois fazem em conjunto para sobreviver aos estranhos fenómenos que os dominam. Ou simplesmente para morrer juntos.

Nada disto me agrada particularmente (ou nada), e o final — que não revelarei, pois o autor pretende surpreender com ele — é de tudo o que menos me agrada. Se a história fosse apenas isso, teria deixado para trás uma opinião francamente desfavorável. Mas não é.

A questão é que Azevedo constrói um mundo de pesadelo, pesado, opressivo, dominador, através do qual os seus dois protagonistas se vão movimentando com crescente dificuldade, cada vez mais sobrecarregados pela sonolência, pela resistência desse mundo à existência nele de alguma espécie de vida, cada vez mais despidos de sentidos que os orientem, cada vez mais desinteressados, cada vez mais amorfos. E essa construção de mundo é magnífica. O mergulho passo a passo das personagens num mundo progressivamente mais infernal e estéril é o que dá a esta noveleta algo mais, apesar da simplicidade do enredo. É isso que provavelmente levará aqueles que apreciam os tiques literários do romantismo a achá-la extraordinária, e foi também isso o que me levou a mim, que não os aprecio, a sair da leitura com a sensação de que tinha acabado de ler uma ficção invulgarmente boa, mesmo não tendo gostado muito da experiência de leitura propriamente dita.

Textos anteriores deste livro:

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