sábado, 16 de janeiro de 2021

Mário Zambujal: Um Velório Alegre

Rui Zink e Mário Zambujal têm pelo menos uma coisa em comum, mas em várias outras características dificilmente podiam ser mais diferentes. O que têm em comum é o despretensiosismo, uma abordagem simples, que não simplista, ao ato de escrever. Mas enquanto Zink é daqueles escritores que experimentam uma série de abordagens à literatura e formas de contar histórias, Zambujal especializou-se numa e dela parece não querer sair (ou pelo menos, vá lá, tudo o que li dele é assim; como não li tudo, admito a possibilidade de estar enganado).

É uma opção que oferece as suas vantagens. Os especialistas deste género conseguem frequentemente tornar-se excelentes no que fazem, apurando a técnica sem se dispersarem por ramais e desvios que lhes fariam outras exigências. É algo semelhante a um estilo, coisa que todos os escritores fazem bem em arranjar, mas não é bem a mesma coisa. E também tem os seus lados negativos. Facilmente se torna limitativo. Facilmente, também, pode cair no mais do mesmo.

E Zambujal, ou pelo menos o que dele tenho lido, é precisamente assim. Desde a Crónica dos Bons Malandros que os seus ambientes são basicamente os mesmos — os bairros populares e as suas gentes, que fazem da sobrevivência diária um exercício de equilibrismo e criatividade paredes meias com a ilegalidade — e as histórias que conta pouco divergem umas das outras. Assim, quem tenha lido os Bons Malandros não precisa de puxar muito pela imaginação para ficar com uma boa ideia do que poderá encontrar neste Um Velório Alegre. É, sim, mais do mesmo. Mas é um mais do mesmo em bom, porque o autor lida muito bem com o material que escolheu.

O protagonista é um bom malandro, sim, e o conto consiste de um depoimento prestado por ele à polícia. Conto que não é conto, propriamente, e aí reside o principal ponto fraco deste texto, uma vez que a sua condição de excerto de um romance (Primeiro as Senhoras, publicado em 2006) fica por demais evidente no final que nada encerra. Parece que o homem foi raptado e está a relatar o rapto a um inspetor da polícia que nunca se deixa ouvir, mas acabamos a leitura sem ficarmos a saber praticamente nada sobre o rapto. Aqui, Zambujal não conta isso, conta uma série de episódios que decorrem em torno de um velório a que o protagonista teria ido por engano antes de ter sido raptado, mas essas são, ou pelo menos parecem ser, historietas acessórias cuja função parece ser mais a de apresentar uma personagem do que qualquer outra coisa.

Mas a verdade é que este texto é divertido e está bastante bem feito, pelo que a sua leitura é agradável. Quem goste dos Bons Malandros do Zambujal, e eu gosto, certamente gostará de ler isto. Eu? Gostei, sim.

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