Antes de mais, há que explicar como este livro me veio parar às mãos. É que eu nunca compraria um livro destes, muito menos em espanhol, por motivos que adiante ficarão claros. O caso é que desde há já uns anos razoáveis tenho o hábito de mandar fazer à lulu.com livros de exemplar único, contendo textos vários. A princípio era aquilo que eu ia escrevendo e também coisas obtidas na internet, para o meu pai ler; depois da morte dele são só os meus textos, a fim de ficar com um arquivo deles em papel. Ora, de uma das vezes que fiz uma compilação de textos obtidos na internet, o livro que me chegou vinha com a capa que eu tinha criado (não é esta aqui ao lado, evidentemente; esta é a capa verdadeira do livro)... e com este Buscando la Paz Interior no miolo.
Passei mais de uma década com este livro híbrido cá por casa. De vez em quando reencontrava-o e pensava com os meus botões «um dia leio esta coisa», mas ia sempre adiando porque desconfiava que se a lesse a iria detestar. Afinal, o caráter místico do texto era claro com a mera leitura das gordas e, embora eu não faça a mais pequena ideia de quem é, ao certo, este José Manuel Martínez Sánchez, também fica facilmente clara a sua condição de candidato a guru.
Bem, foi agora. E o livro é, realmente, muito mau.
Trata-se de um livro de autoajuda escrito sob uma perspetiva taoísta. Há nele elementos de filosofia, um certo sincretismo que tenta integrar partes do cristianismo na mundovisão taoísta (provavelmente para melhor atrair cristãos) e muito, muito palavreado oco. Não surpreende que assim seja, pois tudo o que dependa da fé só se sustenta na medida da crença. Mas neste caso, a completa ausência da mais pequena prova ou demonstração de realidade daquilo que o autor etiqueta como a verdade, comum neste tipo de textos, os quais tendem a apoiar-se exclusivamente (ou quase) na velha falácia lógica do apelo à autoridade, consegue ser suplantada pela imensa incongruência que é alguém tentar argumentar em favor de uma mundovisão taoísta.
É que o taoísmo, especialmente na versão que aparece neste livro, se baseia no vazio. Na inação. Na noção de que a verdade só se alcança quando se esvazia o cérebro de ideias. Ora, poucas coisas podem ser mais contraditórias com esse princípio do que um livro que procura argumentar em favor dele, um livro que tenta convencer terceiros de que é esse o Caminho (com maiúscula, pois Tao quer dizer precisamente isso, caminho), recorrendo a argumentos, a citações escolhidas a dedo e descontextualizadas (claro), a arremedos de lógica, e não se esquecendo, obviamente, de atacar com violência o espírito científico que exige provas para a aceitação de algo como verdade.
Mas o autor não parece dar-se conta da contradição inerente ao que está a tentar fazer. E eu, confesso, diverti-me com isso.
No fundo, tendo detestado a leitura deste livrinho, até a achei útil. É bom conhecer os mecanismos mentais de quem envereda por este tipo de caminhos: não só dão boas personagens como ajudam a contextualizar os mecanismos mentais de gente que sofre das mesmas cegueiras seletivas em versão mais suave. Ou seja: de todos nós, pois todos temos uma certa queda para cair neste tipo de falha. Isto, no entanto, é a minha faceta de escritor a falar. A de leitor arrastou-se pela leitura, carregada com um tédio imenso, intercalado de vez em quando por algum divertimento com esta ou aquela afirmação particularmente estapafúrdia.
E no fim há uns "poemas espirituais", também muito mauzinhos, mas sendo se calhar o melhor que o livro tem.
Em suma: eis um sério candidato à pior leitura do ano.
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