segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Isaac Asimov: Voo de Fantasia

Embora a maioria das histórias de Azazel esteja desprovida de qualquer coisa de científico, sendo simplesmente fantasia satírica, o que poderá surpreender a quem julgue Isaac Asimov um escritor apenas de FC (na verdade não são muitos os escritores que se dedicam apenas a um género), existem algumas exceções. Não que algum destes contos seja de ficção científica propriamente dita, claro. Demónios não são propriamente tema para aquela FC mais pura e Azazel é um demónio (ainda que a história da personagem seja algo mais colorida do que isso). Mas há alguns contos de Azazel que podem ser vistos como fantasia científica. Este Voo de Fantasia (bibliografia) é um desses contos, o que não deixa de ser curioso tendo em conta o título português.

(Já agora, o título inglês, Flight of Fancy,  parece pouco mais ser que a literalização de uma frase feita da língua, uma daquelas frases com significado próprio que repetimos alegremente esquecendo o sentido literal das palavras; eu já fiz o mesmo um par de vezes, por exemplo aqui).

Curiosamente, é um conto que tem a ver com religião. O protagonista (e aqui é mesmo protagonista, pois o Azazel está quase ausente do conto) é um ateu que se tinha tornado ateu porque a ideia dos anjos colidia com os conhecimentos científicos sobre criaturas voadoras. E também porque ele próprio sonhava voar. Não como as pessoas voam, com aparelhos e tecnologia, mas à força de braços ou de asas. À força da sua própria força. Claro que é aqui que Azazel é metido ao barulho, claro que faz um dos seus milagrezinhos embora, sendo o homem descrente, o disfarce de aparelhómetro de antigravidade... e claro que as coisas não correm tão bem como seria desejável.

Porque a condição para o homem ser capaz de voar era acreditar que o aparelho funcionava. Mas para que isso acontecesse era necessário manter-se descrente, fiel à ciência e não às superstições anticientíficas. Mas a páginas tantas conseguem convencê-lo de que o que faz é milagroso e ele, acreditando, deixa de acreditar e por isso deixa de conseguir voar.

Invulgarmente sofisticado, este conto de Azazel parece ser mais sério que os restantes, mesmo sem perder o pendor satírico, e em parte por isso é dos melhores contos de toda a série. Talvez chegue mesmo a ser bom, o que não é comum acontecer nestas histórias.

Contos anteriores deste livro:

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