Aquela malta que acha que se devem seguir à risca os conselhos que recebe nos cursos de escrita criativa, se pegasse neste livro, tinha uma apoplexia. Felizmente, eu pouco ligo ao receituário, e pelos vistos quem aceitou para publicação este livro de Aldous Huxley também não quer saber dele. Show, don't tell? Bah. Que se mostre se assim resulta, que se conte se é melhor assim, que se misturem as duas coisas conforme dê mais gozo e gere mais e melhor efeito. As regras só servem para serem quebradas.
E Huxley quebra-as, ainda que me pareça mais provável que nunca tenha sequer ouvido falar delas. E se ouvisse o mais certo seria rir-se. Aqui não há praticamente nada que seja mostrado, tudo é contado ao longo de pouco mais de 200 páginas pouco densas, a longa narração de uma conversa praticamente unidirecional na qual o narrador em primeira pessoa ouve contar uma história.
É uma técnica muito comum na literatura oitocentista e do início do século XIX, na qual quem narra o livro, geralmente em primeira pessoa, funciona apenas como recetáculo e transmissor de uma história alheia. Neste O Génio e a Deusa, o narrador escuta a história da boca de um dos participantes numa enredada história sentimental que começa quando ele, à época um jovem físico educado numa família puritana e religiosa, é contratado como assistente de outro físico famoso chamado Maartens. Este e a família acolhem-no em casa, numa solução que deveria ser provisória mas rapidamente passa a definitiva, e o livro debruça-se quase exclusivamente sobre a dinâmica sentimental (e perto do fim também sexual) existente dentro da família e entre esta e o jovem.
Enquanto conta a história, Huxley aproveita para tecer uma série de considerações sobre os mais variados temas, da sexualidade à religião, passando por uma porção de outras coisas. A morte, e a relação que as pessoas estabelecem com ela, estão muito presentes, pois a mortalidade é, a par da paixão e da dependência sentimental, a principal fonte dos sentimentos que se cruzam entre as personagens. Estas são um grupo de perturbados: o físico famoso, sentimentalmente dependente da mulher, que a páginas tantas se convence de que esta está a trai-lo e por isso adoece gravemente, a mulher, provavelmente a mais sã de todas aquelas pessoas, que não trai o marido (provavelmente) enquanto se mantém por longe a cuidar da mãe moribunda mas acaba mesmo por trai-lo quando volta para casa depois da mãe morrer, o assistente, virgem, cheio de noções românticas e puritanas sobre as relações humanas que se perde de amores pela mulher do patrão, inicialmente platónicos, e acaba a dormir regularmente com ela sem que com isso consiga mais que acrescentar a culpa à sua perturbação, e a filha adolescente do casal que se imagina poetisa e apaixonada pelo assistente e depois fica despeitada por ser rejeitada, o que acaba por levar ao desenlace trágico da história.
Um pouco envelhecido, pois parte das questões que aborda têm vindo a mostrar alguma tendência a perder a centralidade que tinham há sessenta e tal anos, este livro deve ser bastante mais interessante para quem goste de histórias construídas com base em relacionamentos cruzados, e nas crises sentimentais que tais cruzamentos tendem a gerar, do que foi para mim, que geralmente me aborreço com elas. Apesar dessa peculiaridade do meu gosto literário (e não só; isto estende-se a outras formas de contar histórias) não me aborreci por completo, pois há aqui algumas discussões razoavelmente filosóficas que não deixam o sono instalar-se. Não me custa a crer, portanto, que haja quem ache este livro bastante bom. Para mim foi apenas mediano.
Este livro vem da biblioteca dos meus pais.
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