Não, não, contrariamente ao que poderão supor (se forem muito distraídos ou muito sarcásticos), Os Dois Irmãos desta história não são os Irmãos Grimm que a escreveram amalgamando uma série de histórias diferentes.
Trata-se de um conto incaracteristicamente longo sobre dois irmãos que não podiam ser mais diferentes um do outro. O rico era mau e ourives; o pobre era bom e fabricava vassouras. O enredo começa a marchar quando o pobre encontra uma pena de ouro que leva ao rico, despertando-lhe a cobiça, e segue-se uma história complexa em que entram os dois filhos gémeos do irmão pobre, o pássaro de ouro que tinha perdido a pena e depois perdeu a vida, um caçador que adota os gémeos depois do pai (que era bom, mas pelos vistos não muito) os ter abandonado na floresta, o que não os impede de viverem uma vida cheia de aventuras e de princesas e de prodígios. E eis que os dois irmãos originais passam o testemunho aos dois irmãos com que a história termina, e siga a banda a retumbar rua fora. E no fim, claro, tudo acaba em bem, à boa maneira dos contos de fadas.
O que achei mais interessante nesta história foi ter reparado num facto curioso: a complexidade não contribui em nada para a tornar mais marcante. Pelo contrário, até. Isso talvez aconteça em parte porque os Grimm a construíram a partir de elementos díspares, e por isso lhe falta um fio condutor realmente sólido, mas creio que só se encontra aqui parte da explicação. A outra parte, e talvez a parte maior, tem a ver com a própria natureza deste tipo de história. Elas tendem a funcionar tanto melhor quanto mais despojadas se mostrarem de elementos acessórios, quanto mais claras e objetivas forem não só no enredo mas também na moral subjacente. Ao contrário da maior parte da literatura, que funciona tanto melhor quanto mais complexa e/ou subtil se mostrar, as histórias populares pedem simplicidade. Não que não se possa incutir-lhes complexidade ou subtileza, mas quando isso acontece geralmente deixam de ser histórias populares e passam a ser outra coisa.
Esta história, como já terão compreendido, não é grande coisa. Os Grimm, para terem tido real sucesso nesta sua empreitada, deviam ter assumido que estavam já a escrever outra coisa, não uma história popular, tratando as várias histórias que usaram para costurar nesta mais como inspiração do que como fio condutor. Não o fazendo, ficaram com um Frankenstein literário. Um Frankenstein literário de 21 páginas que se esquecem bem depressa.
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