segunda-feira, 3 de junho de 2019

Lido: Assessor Para Assuntos Fúnebres

Ah. O Gerson Lodi-Ribeiro trocou-me as voltas. Ao ler Morcego do Mar, a novela que antecede esta noveleta, sabendo que o protagonista destas histórias teria de vir parar a Londres para servir como Assessor Para Assuntos Fúnebres (bibliografia), deparando com navios ingleses na Baía de Boston, prontos para regressar à pátria, e assistindo ao desaparecimento do Vampiro de Palmares, supus que seria essa a forma que o Gerson tinha arranjado para levar o seu protagonista até lá. Mas não. O hiato entre uma história e outra é demasiado grande para isso, e esta história começa com uma rápida revista dos lugares por onde andou o Vampiro até ir dar à capital do Reino Unido.

E segue-se uma história com bastante interesse sobre quem poderá realmente ser o famigerado Jack the Ripper, que relação poderá haver ou deixar de haver entre ele e o Vampiro de Palmares e o que daí poderá resultar. De todas as histórias de que se compõe este romance-colagem, esta é aquela em que a ficção científica surge de forma mais clara, embora nenhum conhecedor do género possa supor que qualquer destas histórias tenha como base outra coisa que não a FC. Para não irmos mais longe, a ideia básica de naturalização dos vampiros, apresentando-os como criaturas filhas da evolução biológica e dotadas de capacidades extraordinárias e sobre-humanas mas não sobrenaturais, é inteiramente uma ideia de ficção científica.

E porque é nesta história que a FC aparece de forma mais clara? Porque o autor pega no mistério do Extripador e em alguns pormenores desse mistério, deita no caldeirão a ideia-base de naturalização de velhas histórias sobrenaturais, nomeadamente as dos vampiros, e postula que há mais uma criatura folclórica cuja base é igualmente natural, embora não deste planeta: o lobisomem. E mexe a mistura assim conseguida.

O resultado é uma história muito interessante, mas que no entanto é mais sobre o alienígena metamórfico preso há milénios na Terra depois de a sua nave se ter despenhado do que propriamente sobre o Vampiro de Palmares. É a história da investigação deste sobre aquele, é certo, mas o protagonista é o investigado, não o investigador. No fundo, esta história é uma espécie de espelho de O Vampiro de Nova Holanda. Ambas têm um mistério que em ambas acaba desvendado; em ambas uma criatura mitológica como que ganha corpo natural ao mesmo tempo que se mantém oculta da população geral, mantendo secreta a história secreta; em ambas o vampiro de Palmares marca presença, mas enquanto na presente história ele funciona como meio para a descoberta da natureza e atos do alienígena-lobisomem, na história ambientada em Nova Holanda são outros que funcionam como meio para a descoberta da natureza e atos seus, do Vampiro.

E é aí que esta história, no contexto deste livro e na posição que nele ocupa, se torna ineficaz. Isso, contudo, é conversa para quando for avaliar o livro como um todo. Aqui fala-se da história em si mesma, e essa é boa.

Contos anteriores deste livro:

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