sábado, 1 de junho de 2019

Lido: O Disco

Não deixa de ser curioso que Jorge Luis Borges tenha vários contos em que explora o imaginário e as paisagens das Ilhas Britânicas, frequentemente de braço dado com a fantasia e a história. E é curioso porque existe fora dos setores hegemónicos do género uma corrente que pugna pela "nacionalização" do fantástico, por um fantástico mais genuinamente ligado ao contexto próprio de cada literatura e escritor, e Borges até o fez muitas vezes. Mas nunca se coibiu de situar as suas ficções onde lhe desse na real gana. É precisamente essa, parece-me, a abordagem mais saudável. Sim, convém que quem escreve não se esqueça de quem é e de onde vem mas, tendo essa base como ponto de partida, a liberdade de criar deve ser o valor fundamental.

Como já terão compreendido pelo introito, O Disco é um desses contos. Muito curto, apenas com 3 páginas, e incompletas, é contado na primeira pessoa por um lenhador, e Borges consegue com grande habilidade introduzir na história a informação geográfica e cronológica necessária para a situar, se bem que convenha ter alguma noção da história britânica para a compreender.

Nesta ambientação introduz Borges o fantástico que lhe é mais habitual, por intermédio de uma abstração matemática. Aqui não é à noção do infinito ou aos objetos fractais que Borges dá existência digamos, palpável, mas a um círculo euclidiano, que tem apenas um lado, sob a forma de um disco trazido por um viajante que um belo dia vai bater à porta do lenhador. O disco, embora invisível, é o que basta para que o viajante chame rei a si mesmo e para despertar a cobiça do lenhador, o qual age em conformidade com essa cobiça. Mesmo nunca tendo visto o disco, só um rapidíssimo reflexo de luz.

Este é mais um belíssimo conto, muito bem construído e muito bem escrito, pese embora a sua brevidade. Muito bom.

Contos anteriores deste livro:

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