Seria provavelmente inevitável que num livro tão orientado para a pedagogia como este declaradamente é aparecesse um conto que é basicamente uma aula. Uma aula sobre nós, seres humanos, quando vistos sob um ponto de vista alienígena, apesar de aqui estarmos implícitos, não explícitos. O problema é que é mesmo muito difícil fazer este tipo de história bem. Será possível, calculo (embora de momento não me esteja a lembrar de nenhum exemplo), mas muito, muito difícil. Não só a história fica necessariamente muito expositiva, como a tarefa de arranjar um ponto de vista realmente alienígena que a possa tornar credível (e mais interessante) está muito longe de ser trivial. Mesmo assim, António Bettencourt Viana arriscou. E o resultado não é brilhante. Pun intended.
O conto passa-se entre alienígenas naturais de um planeta que gira em volta de uma estrela integrante de um dos aglomerados globulares que orbitam a Via Láctea. É essa a razão do título de No Resplendor da Luz Perpétua (bibliografia), pois a proximidade das estrelas nesses aglomerados e a ausência de poeiras faz com que o céu noturno de eventuais planetas que as orbitem seja perfeitamente espetacular, uma caixinha de joias brilhantes. É um desses planetas que Viana imagina, habitado por uma espécie inteligente cujos professores e adolescentes, a despeito de estarem divididos em três sexos e não nos nossos (e nos das espécies inferiores deles) dois, se comportam tal e qual como professores e adolescentes humanos.
É essa uma das grandes fragilidades deste conto: a ausência de qualquer coisa minimamente alienígena no comportamento dos ETs. Há culturas humanas em que os jovens se comportam de uma forma mais estranha ao nosso quotidiano do que os jovens deste planeta longínquo. O autor bem tenta fugir com o rabo à seringa numa introdução em que explica que quando diz que os seus ETs estão a rir não estão realmente a rir, mas é pouco e pouco eficaz.
Mas há mais fragilidades. O conto divide-se em duas aulas, uma sobre as diferenças entre ter três sexos e só dois, outra sobre a existência ou não de inteligência no corpo principal da galáxia. Em ambas, Viana passa mais tempo a falar de nós do que dos seus ETs (aproveitando a primeira para lançar uma série de ideias um tanto ou quanto duvidosas sobre os papéis sexuais humanos), em longos infodumps didáticos com pouca ou nenhuma novidade para quem tenha um conhecimento minimamente razoável da matéria, o que faz com que o conto se torne bastante chato para o leitor comum. Se ao menos houvesse alguma história exterior à exposição professoral talvez fosse possível sustentar o interesse. Mas não há. E em resultado disso, este conto é bastante mauzinho.
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