domingo, 3 de maio de 2020

António Bettencourt Viana: O Mistério dos Peixes Desaparecidos

Há uma série de decisões prévias à produção de um conto que vão ter um impacto fulcral no resultado do empreendimento. Não é só questão de ter uma ideia e desatar a escrever; temos de decidir que abordagem vamos dar a essa ideia, que personagens vamos pôr a lidar com ela, qual o grau de elaboração que é preferível dar a personagens, ambiente e à própria ideia, e por aí fora, mais uma série de coisas que vão do tipo de linguagem utilizada à extensão com que a história pode resultar melhor. É muito fácil que algumas destas decisões acabem por se revelar erradas. Aí, os autores têm duas alternativas: ou deitam fora e começam de novo, ou avançam com a coisa mesmo assim.

Muitos preferem avançar com a coisa mesmo assim. Percebo bem porquê; afinal, também eu o fiz por diversas vezes. Escrever dá trabalho e gasta tempo e, sem haver a certeza de que uma ou várias decisões diferentes no início desse trabalho vão necessariamente ter como resultado uma história melhor, isto é, de que vale a pena fazê-lo, a renitência em destruir e recomeçar é grande. Mas o resultado são todas aquelas histórias, e são tantas, que acabam por ficar insatisfatórias porque com outras abordagens ficariam com toda a probabilidade muito melhores.

Como esta?, perguntarão vocês. Sim, como esta. É que O Mistério dos Peixes Desaparecidos (bibliografia) não tem propriamente mistério. Não existe uma investigação, não há dúvidas, deduções, experiências, tentativa e erro. Há basicamente uma conversa entre um biólogo marinho que já sabe tudo o que há para saber e a sua mulher. O motivo da conversa é um dilema, pois o biólogo não sabe bem se deve ou não revelar ao mundo o que sabe. É que tinham andado a desaparecer peixes, e ele tem receio de que a revelação do porquê possa levar à destruição de algo de precioso... e a não revelação acabe com a sua carreira.

António Bettencourt Viana teria aqui material para uma história bastante mais interessante e bastante mais longa (e bastante mais sumarenta para mim, pessoalmente; afinal não é em vão que se tira um curso de biologia marinha), mas fica-se pela mediania. Por um conto de ficção científica que não é mau mas também não se pode propriamente dizer que é bom. Pena.

Contos anteriores deste livro:

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