segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Paulo Pego: Viagem

Há em certos autores uma atitude de menosprezo face ao fantástico que demonstra sobretudo uma completa incompreensão do que o género (ou os géneros, quando a palavra é usada como termo englobante da literatura não realista) é, e do que pode ser em termos de ferramenta para a criação e sobretudo expressão literária. Concentram-se nos elementos superficiais de irrealidade e são incapazes de ver tudo o que está por baixo, a análise do mundo, a análise da condição humana, a análise da História como um todo e das forças que a fazem mover, ou de certos episódios dela, a exploração das consequências possíveis dos desenvolvimentos x ou y, etc., etc., e até por vezes coisas tão caras ao mainstream como o experimentalismo ou a psicologia. É como quem olha um lago e só vê os reflexos da outra margem na superfície, fazendo de conta de que lá dentro nada existe.

Ora, ajuizando por esta Viagem (bibliografia), Paulo Pego é um desses autores.

Terá sido por isso que escreveu um conto que é uma troça. Uma troça muito bem escrita — em termos de texto propriamente dito, este conto é bem capaz de ser o melhor de toda a antologia —, mas uma troça. Uma troça a alguns dos tropos do horror e sobretudo da fantasia, servindo-se do velho cliché da viagem/demanda feita por um grupo heterogéneo para a composição do qual Pego vai buscar tudo quanto é mais habitual encontrar na fantasia — uma fada, um deus, um gigante, um vampiro, uma feiticeira e um elfo — ainda que não chegue a servir-se realmente de nenhuma destas personagens porque são mesmo só para a piada. E também uma troça ao país onde todas essas criaturas vão dar, cheio de parecenças com Portugal, e à sua política, burocracia, paisagem mediática, por aí fora.

Se a história que o Paulo Pego conta tivesse piada, eu podia até ter gostado bastante deste conto. Mas não me levou a rir e nem sequer a sorrir. Só aqui vi preconceito, clichés em barda e piadas gastas. E como eu sou daqueles leitores para os quais o bom português não basta...

Textos anteriores deste livro:

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