quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Arthur Dapieve: Bloqueio

Com Arthur Dapieve, outro autor brasileiro que eu nunca tinha lido, regressamos a histórias em que o tema deste livro, as cadeiras, não é algo de incidental e supérfluo à narrativa como no conto anterior, mas está no seu centro. Mesmo que a cadeira que é fulcral neste Bloqueio não seja propriamente a cadeira em que a generalidade das pessoas pensa quando lê ou ouve a palavra.

E desta vez estamos perante um conto muito interessante sobre o civismo, ou a falta dele. Sobre a consideração pelo outro ou o salve-se quem puder. O protagonista é aquilo a que no Brasil se dá o nome de "cadeirante" (e que nós bem podíamos adotar, uma vez que não temos, que eu saiba, nenhum termo equivalente e este está bastante bem apanhado): um homem que se desloca numa cadeira de rodas. Esse homem, aparentemente habitante de um dos morros do Rio de Janeiro, tem uma consulta na parte baixa da cidade e desloca-se para lá quando depara com um carro empoleirado em cima do passeio, cortando-lhe o caminho. E, sendo o passeio alto, não consegue descer para a rua a fim de o contornar. E começa a chover. E decide voltar para trás e tentar de outra maneira, mas alguém, entretanto, pôs outro carro mais acima em cima do passeio a cortar-lhe o caminho. E chove cada vez com mais força. E não aparece ninguém que o possa ajudar.

Pode ver-se esta história como um conto de horror, a história de um homem preso nas suas limitações e nas que lhe são impostas pelos seus semelhantes, que ignoram ativamente as suas necessidades, e pelos elementos. Um pesadelo. Mas também como uma denúncia da indiferença pelo outro e da desumanidade da selva urbana. É um conto que impacta. Um conto francamente bom.

Contos anteriores deste livro:

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de abusadores. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.