segunda-feira, 18 de maio de 2020

Thomas H. Block: Órbita

É curioso como aqueles livros que são escritos com o olho firmemente posto no contrato cinematográfico são tão fáceis de identificar. Há um certo estilo, um certo ambiente que quem tenha visto filmes da série B (ou C) identifica com bastante precisão, especialmente os que tenham sido realizados mais ou menos na mesma época em que esses livros (que são sempre romances razoavelmente curtos, duzentas e muitas, trezentas e poucas páginas) foram publicados.

É, obviamente, o caso deste Órbita (bibliografia), que possivelmente terá frustrado o autor, Thomas H. Block, uma vez que parece não ter conseguido o almejado contrato, ao contrário de pelo menos outro livro seu, tal como este um thriller e tal como este centrado no mundo da aviação, mas só depois de ter sido reescrito (provavelmente atualizado) por ele em conjunto com outro autor.

Mas este tipo de livro tende a vender bem, pelo que a frustração não terá sido muita. Nunca percebi lá muito bem porquê, francamente: a novidade é pouca, a escrita é frequentemente tosca ou no máximo correta, as personagens são estereotipadas e unidimensionais, os enredos são formulaicos, sabendo-se sempre de antemão que no fim tudo fica bem, que todos os problemas que se acumulam, cada vez mais impossíveis, vão acabar por ser resolvidos num desfecho apoteótico graças a algum rasgo de génio mais ou menos milagroso. Para mim, o acumular de sarilhos torna a manipulação demasiado óbvia, o que corrói fortemente a suspensão da descrença, e o fim óbvio dá cabo da expetativa sobre o que irá acabar por acontecer. Mas a malta parece que gosta...

Neste caso, o thriller é de ficção científica de futuro próximo... tanto à época em que foi escrito, quanto hoje. O desenho do avião que aparece na capa parece-se com o Concorde, e não será por acaso: havia nos anos 70 e 80 do século passado (este livro é de 1982) um otimismo tecnológico sobre o desenvolvimento da aviação que as realidades energéticas e económicas condenaram à condição de utopia irrealizada, e o futuro de viagens intercontinentais hipersónicas que aqui surge continua hoje tão distante como naquela época.

Claro que, para que o livro seja um thriller, as coisas têm de correr mal. O avião deveria realizar um voo suborbital mas, por algum motivo misterioso, os motores não se desligam no momento certo e o aparelho entra em órbita (sim, daí o título), aparentemente sem meios para voltar a descer. É que o combustível é esgotado na subida e à altitude a que vai parar, com a atmosfera tão rarefeita, as superfícies de controlo são totalmente inúteis. Ainda por cima, é certo que o avião é pressurizado mas as reservas de oxigénio foram calculadas para um voo intercontinental relativamente curto, não para uma estadia indefinida em órbita baixa.

Morte iminente para todos a bordo, claro. O que gera as expectáveis cenas de pânico e exacerba alguns conflitos latentes na tripulação, que o piloto e o copiloto nem se podem ver. Há aqui vários momentos em que quase se etreveem as rodas dentadas na mente do autor enquanto ele pensa "como é que eu vou meter estes tipos na pior situação possível?" Aqui e não só, porque também em Terra as coisas não correm propriamente sobre rodas quando uma equipa da empresa de aviação é reunida à pressa e enviada para um centro de controlo da NASA, onde vão tentar fazer um lançamento de emergência do vaivém (também ele entretanto transformado em artefacto histórico) para, pelo menos, se levar oxigénio ao avião acidentado.

É essa tentativa de salvamento de emergência (não muito detalhada, é certo), a tentativa de compreender o que aconteceu ao avião (que rapidamente desagua de forma algo apressada na explicação de sabotagem) e os conflitos e acontecimentos no interior do avião, que faz mover o enredo. Poder-se-á pensar que são elementos com fartura para uma história interessante, mas na verdade ela não o é muito, e pior fica quando tudo se resolve com um autêntico deus ex-machina e os ocupantes do avião se salvam (quase todos, pelo menos) pelos seus próprios meios.

Este livro lê-se? Lê-se. Distrai, que no fundo é mais ou menos a única coisa que pretende fazer. Isso faz com que cumpra os objetivos, suponho. Mas está muito longe de ser bom, muito longe mesmo. É literatura-chiclete: masca-se durante uns tempos mas depressa perde o sabor e não alimenta.

Este livro foi comprado.

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