quarta-feira, 13 de maio de 2020

Sandro William Junqueira: As Cebolas Tornam-nos Maus

Cebolas, botas ortopédicas e outros tipos de sapatos, gabardines e cadeiras. É de objetos inanimados que se faz em grande medida este conto de Sandro William Junqueira. Mas é a violência o seu tema. Ou talvez a maldade. A crueldade do homem pelo homem, por mais que tente esquivar-se atribuindo as culpas a algo exterior a si próprio. A cebolas, digamos. As Cebolas Tornam-nos Maus. Tornarão?

Há em todo o conto uma atmosfera entre o fantasmagórico e o horror existencial, com toques de realismo mágico, apesar de nada do que nele é descrito se afaste realmente das possibilidades da vivência quotidiana. Um casal discute porque o marido se esqueceu de trazer cebolas do supermercado, e a discussão leva à violência. Doméstica, está bem de ver-se. Um cantor de rua é assassinado a tiro por alguém que parece ser só botas e gabardina (e arma), por motivos que não chegamos a conhecer. No pós-pancadaria, no apartamento do casal desavindo, uma cadeira pesada é atirada pela janela. No pós-homicídio, o assassino põe-se em fuga pela cidade fora. E no desfecho, assassino (ou apenas as coisas que o envolvem) e cadeira encontram-se no mesmo ponto do tempo e do espaço.

É como quem diz, sim, somos umas bestas, uns montes de trampa sempre prontos para nos atacarmos uns aos outros, mas no fundo, no fim de contas, o universo arranjará sempre maneira de levar o castigo devido a quem é devido. Ou talvez nem sempre, nem a todos. Só aos piores, talvez. É um conto incómodo, este, e é-o propositadamente. Estou mesmo a ver muitos leitores a torcer-lhe o nariz por isso mesmo. Eu gostei. Não me incomoda o incómodo, e a história está bastante bem escrita.

Contos anteriores deste livro:

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